junho 26, 2023

Aproveitamento de água em propriedades pecuárias

A água é fundamental na agropecuária e em tempos de seca pode fazer muita falta. Por isso, o manejo hídrico deve ser valorizado e começar antes do período de estiagem. Uma das tecnologias que existe para aumentar a oferta de água na propriedade é a utilização de cisternas para captação da água da chuva que escorre pelos telhados. Essa opção já está bem mais presente em grandes dimensões nas fazendas, pois a chuva é considerada uma fonte alternativa de água. Ela pode ter qualidade para o consumo dos animais e em usos menos nobres, como para a lavagem de pisos e equipamentos. Apesar dessa ser a boa prática mais comum, há muitas outras que merecem a atenção do pecuarista.

Segundo Julio Cesar Pascale Palhares, zootecnista e pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, existem bons exemplos de recursos indicados que servem para o reaproveitamento da água e até mesmo previsão do tempo no contexto do manejo hídrico. O especialista exemplifica que, dependendo do uso que se pretende fazer da água da cisterna, se terá um padrão de qualidade específico. “Uma propriedade leiteira com cisterna de 10 mil litros instalada na sala de ordenha conseguiu armazenar 125 mil litros de água no ano. Essa água foi utilizada na lavagem do piso da ordenha e representou 44% do consumo total de água para esta prática. Portanto, 55 mil litros de água deixaram de ser consumidos da fonte natural, e teve mais água disponível na propriedade para outros usos.”

Além desse caso, o especialista deu diversas outras orientações, em um bate-papo franco, porém rico. Para ler e se inspirar, confira.

Pasto Extraordinário – Qual a importância do manejo hídrico? E você teria dicas de boas práticas e de recursos aplicados em propriedades rurais que sirvam para períodos de estiagem?

Julio Palhares – A primeira dica – e que será o suporte para todas as outras – é internalizar o manejo hídrico na propriedade. E defino este manejo como o uso cotidiano de conhecimentos, práticas e tecnologias que garantam a oferta de água em quantidade e qualidade. Com base nisso, o produtor poderá saber como sua atividade produtiva se relaciona com o recurso natural disponível. A primeira etapa é saber a demanda hídrica da propriedade e para isso é preciso instalar equipamentos de medição do consumo de água, como hidrômetros, afinal não tem como manejar o que não é medido. Conhecendo os consumos hídricos das várias atividades da propriedade, é possível saber onde está sendo mais e menos eficiente no uso da água e, assim, agir para equilibrar o uso. O resultado é uma segurança hídrica maior da propriedade e, consequentemente, menor impacto das estiagens. Se hoje as estiagens causam impactos, no futuro elas causarão ainda mais, frente aos cenários que se apresentam de mudanças climáticas e apontam para secas mais frequentes e severas. Então, ou internalizamos o manejo hídrico, ou padeceremos sem água.

Importante destacar que há uma relação direta entre o manejo hídrico e o manejo do solo que, consequentemente, impacta na qualidade das pastagens e outras culturas vegetais. Defino o manejo do solo como o uso cotidiano de conhecimentos, práticas e tecnologias que garantam a produção vegetal, a qualidade do solo e a reduzida emissão de elementos para as águas e para o ar. Ao mesmo tempo em que o solo pode funcionar como uma reserva hídrica (desde que utilizemos práticas conservacionistas para isso), e é um fator de conservação da qualidade das águas.

Falando especificamente de boas práticas, existem diversas validadas pela ciência – e viáveis economicamente – que promovem um melhor uso da água. Elas são bem conhecidas e já utilizadas por muitos produtores: terraceamento das áreas agrícolas, plantio direto, rotação de culturas, conservação da matéria orgânica do solo etc. Mas destaco outras práticas que dão maior segurança hídrica à propriedade, como, por exemplo, a captação das águas de chuva e de drenagem dos terrenos e seu armazenamento, o uso dos resíduos líquidos pecuários (dejetos) como fertilizante e o reuso dos resíduos líquidos pecuários após tratamento. Todas essas práticas são eficazes, porém demandam mão de obra qualificada para implementá-las, então recomendo contar com colaboradores capacitados para implementar e garantir que seus sistemas agropecuários sejam eficientes no uso da água e resilientes aos efeitos climáticos.

Outro ponto que merece atenção é o cumprimento da legislação ambiental, o que também contribui para a segurança hídrica da propriedade. Preservar a vegetação em áreas de topo de morro, nas margens de rios e nas nascentes e ter a Reserva Legal na propriedade são formas de armazenar água e conservar sua qualidade.

Pasto Extraordinário – Alguma destas medidas que você citou teria custo zero para os produtores ou seria de baixo investimento? E, dentre todos, qual recurso você destaca mais e por quê?

Julio Palhares – Medidas de custo zero são aquelas que abrangem mudanças comportamentais e são muito importantes. De nada adianta ter todo o dinheiro do mundo e não ter a vontade de mudar as coisas. A meu ver, essas medidas comportamentais seriam: considerar as condições climáticas e as recomendações técnicas no manejo das áreas agrícolas (como os zoneamentos agrícolas publicados pelo Ministério da Agricultura e Pecuária); usar os insumos agrícolas e pecuários de forma eficiente; e ajustar o manejo das pastagens de acordo com as características de solo e clima da região e exigência do rebanho (por mais que isso seja óbvio, muitos ainda não fazem). E acredito que se capacitar, continuamente, é uma forma de conhecer coisas novas e mudar culturas produtivas, visando a melhoria ambiental da propriedade.

Medidas que têm custo devem ser bem pensadas. Lembremos que não existem milagres e, se alguém lhe oferecer uma solução mágica, fuja! O que existe são práticas e tecnologias que devem ser pensadas e adquiridas de acordo com as características produtivas, econômicas, ambientais e de mão de obra da propriedade. Fazendo desta forma, o custo de aquisição e manutenção sempre valerá a pena.

Pasto Extraordinário – Quais são os desafios para o desenvolvimento da pastagem e para a oferta de alimentos às criações, tanto no período seco quanto no período chuvoso? Há desafios em ambos, certo?

Julio Palhares – Sim, cada um destes períodos tem suas particularidades climáticas e que irão afetar o desenvolvimento das pastagens. Para cada um destes períodos iremos ter pastagens mais adaptadas. Não há um tipo de pastagem que servirá para todo o território nacional e para todos os períodos, por isso o conhecimento e a capacitação se mostram fundamentais. Assim como no agro em geral, também nas pastagens vemos certos modismos. Alguém começa a plantar algo e, de repente, todo mundo está plantando. Isso não é correto. Eu sugiro ao produtor sempre fazer para si mesmo algumas perguntas como: Quais as características da propriedade em termos de solo e clima? Qual o histórico climático da região na seca e nas águas, e como esse histórico tem mudado? Quais pastagens têm se mostrado mais adaptadas às condições que tenho na região? Qual o meu objetivo produtivo (níveis de eficiência de desempenho dos animais)? E sempre se perguntar: essa pastagem é boa para mim, atende as necessidades ambientais e produtivas da propriedade? Somente com as respostas a essas perguntas será possível conhecer os desafios para, então, enfrentá-los.

Pasto Extraordinário – Quais são as maiores dificuldades que os produtores estão encontrando com essa última estiagem em diversos estados do país?

Julio Palhares – Certamente a maior dificuldade é econômica, devido à perda da capacidade de produzir pastagem e ter que substitui-la por outros alimentos. Não ter as pastagens em quantidade, e com qualidade, significa mudanças no manejo nutricional dos animais, ou seja, maior custo para o pecuarista. Ao produzir animais ruminantes, devemos aproveitar ao máximo a habilidade que só estes animais têm de digerir a pastagem e transformá-la em alimento para os humanos. A pastagem é o alimento mais barato que podemos oferecer a estes animais.

Os últimos relatórios da Organização Meteorológica Mundial concluem que este ano teremos o fenômeno El Niño e, como consequência, o ano de 2024 será extremamente quente em algumas regiões, e com chuvas torrenciais em outras. A estiagem vivida principalmente pelos produtores gaúchos, desde o ano passado, não é um evento isolado e será cada vez mais frequente. Assim como em outras regiões do Brasil.

É crucial ter em mente que não se enfrenta os impactos de uma estiagem no meio dela, pois não há muito o que fazer, então devemos ser preventivos. Novas estiagens virão e, se queremos ter disponibilidade de pastagens, temos que trabalhar para isso. Podemos utilizar desde a irrigação de pastagens (prática que pode ter elevado investimento e demanda uma fonte de água abundante na propriedade) até práticas que atuem na maior conservação de água no solo e/ou redução da evapotranspiração das culturas vegetais. A reservação de água na propriedade também é uma alternativa, mas depende da capacidade de investimento do produtor para fazer o reservatório.

Tecnicamente, por definição, há dois tipos de água: a verde e a azul. A água verde é àquela armazenada no solo em decorrência das chuvas, descontada a água que escorre e a que infiltra a grandes profundidades do solo. Esta é a grande fonte de água das pastagens, então é necessário manejá-la com a máxima eficiência. A água azul é aquela que captamos de fontes superficiais e subterrâneas, como a que se usa em uma irrigação, por exemplo. Manejar estas duas águas de forma correta determina maior disponibilidade hídrica e, por consequência, menos impacto da estiagem.

Se a estiagem fará cada vez mais parte do dia a dia da produção, temos que usar cada gota de água com eficiência, assim o impacto da estiagem será menor. Nunca devemos esquecer que a agricultura e a pecuária, no Brasil, são dependentes do regime de chuvas. Se elas foram menos abundantes e frequentes, há riscos produtivos e econômicos. Já a gravidade destes riscos depende do que se faz em termos de prevenção.

Pasto Extraordinário – Qual é o planejamento mínimo que o produtor deve fazer, tendo em vista que é difícil prever condições adversas do tempo? Existe alguma regra a seguir? Ou a maneira de tentar se antecipar para estar preparado é investir em prevenção?

Julio Palhares – No passado, isso era uma verdade, pois era muito difícil prever o tempo. Mas a ciência avançou muito e hoje há muita informação disponível, tanto pública como privada, para o produtor saber como estará o tempo na próxima safra ou ciclo produtivo. Há no mercado várias empresas que oferecem serviços climáticos baseados em dados históricos e projeções futuras com bom nível de assertividade. Então, felizmente, essas previsões já não são tão difíceis como eram no passado. Mas de nada adianta ter a previsão se essa não for utilizada. Então, os produtores devem estar sempre atentos e, tendo a previsão, investir na prevenção antes de acontecer, não durante. O ideal é aliar previsão com prevenção, pois é o que há de melhor para enfrentar as adversidades. Quem está no campo não pode ser traído pela memória. Passa a estiagem e começam as chuvas, aí o produtor esquece da seca, não se previne para a próxima e vai sofrer novamente com as perdas. Esse comportamento tem que mudar!

FONTE: PastoExtraordinario – https://www.pastoextraordinario.com.br/aproveitamento-de-agua-em-propriedades-pecuarias.html